A Influência da família no desenvolvimento vocacional de adolescentes e jovens
Registe-se, a partir da análise global dos resultados (ver artigo) das correlações canónicas dos vários sub-grupos, que as relações entre as várias dimensões do contexto familiar e do desenvolvimento vocacional orientam-se, na sua generalidade, no mesmo sentido, havendo uma forte articulação entre as dimensões, por ordem de importância, do sucesso, organização e controle, ênfase religiosa, conflito com a exploração vocacional e tendência para excluir opções e uma relação inversa com o investimento vocacional.
De salientar que, nos alunos do 12º ano de escolaridade e o nível socio-económico médio, existe, por um lado, uma relação positiva entre as dimensões do contexto familiar (conflito e organização e controle) e o investimento e exploração vocacionais, e, por outro, uma associação negativa entre a coesão e a exploração e o investimento, e positiva com a tendência para fazer escolhas sem exploração (exclusão de opções).
A interpretação que se poderá adiantar em relação aos resultados da amostra total e das duas sub-amostras relativas ao género, quanto às representações que os adolescentes e jovens possuem das mensagens transaccionadas na família sobre a orientação para o sucesso e sua relação com a tendência para excluir opções, ou seja, para fazer investimentos sem exploração, é compreensível dentro da dinâmica da circularidade sistémica. Isto é, os contextos familiares marcados pela competição, onde se transmitem mensagens insistentes de que o sucesso se tem de conseguir a qualquer preço, pode levar o sujeito a fazer investimentos imediatos sem os explorar, ao confrontar-se com a décalage entre as expectativas dos pais, demasiado elevadas, e a inadequação aos seus recursos pessoais (Young et al., 1994).
A relação entre organização e controle e a tendência para a exclusão de opções pode ser interpretada a partir da teoria sistémica e confirmada por várias investigações (Eigen et al., 1987; Penick & Jepsen, 1992; Young et al., 1994). Estes autores sublinham que as famílias aglutinadas e pouco diferenciadas, marcadas por um forte controle (rigidificação) das figuras parentais, não proporcionam oportunidades de exploração.
Quanto à ênfase religiosa da família, se se fizer uma análise cuidadosa aos itens da escala, aponta, na sua generalidade, para valores rigidificados e tradicionais de uma religiosidade familiar, marcadamente sociológica, institucionalizada e extrínseca ao sujeito, demarcando-se, claramente, de uma opção livre e esclarecida pelos valores do Evangelho que mantêm uma abertura aos princípios éticos universais, nomeadamente pelo respeito pela pessoa humana. Por isso, famílias com esta identidade, em termos de cultura e valores religiosos, poderão ser inibidoras de experiências diversificadas de exploração vocacional.
Pelo já dito, deixa-se antever que, famílias equilibradas entre um ambiente estruturado e flexível, que incentivem o investimento, mas sem imporem padrões de sucesso inadequados aos recursos dos sujeitos, poderão oferecer um contexto que garante experiências multivariadas de exploração através da relação que se estabelece com o mundo (Eigen et al., 1987; Penick & Jepsen, 1992; Young et al., 1994).
Na tentativa de apresentar uma interpretação para os resultados diferenciados em relação aos anos de escolaridade, remetem-nos para factores ligados ao desenvolvimento global. Os alunos do 12º ano são mais diferenciados, autónomos e com maior complexidade cognitiva do que os alunos do 9º ano de escolaridade, nas suas análises e representações sobre o contexto familiar. Assim, a relação negativa entre as dimensões de coesão e orientação para actividades culturais e recreativas e comportamentos de exploração e investimento vocacional poderá significar a afirmação do processo de autonomização dos jovens em relação às figuras significativas e o assumir o seu próprio protagonismo na construção do seu itinerário vocacional.
Este mesmo resultado, aparentemente, infirmaria a primeira hipótese levantada neste estudo. Contudo, partindo da dinâmica circular sistémica, se, por um lado, os contextos familiares demasiado coesos (aglutinados) podem inibir a diferenciação e não proporcionar experiências de exploração do mundo, por outro, contextos familiares que não garantam experiências de apoio doseados com momentos de desafio, não se constituirão em ambientes seguros capazes de promover sujeitos autónomos na construção dos seus itinerários vocacionais (Eigen et al., 1987; Kinier et al., 1990; Lopez & Andrews, 1987; Young et al., 1994)
A relação positiva entre a dimensão do conflito e a organização e controle e o investimento e a exploração também parece estar em oposição à segunda hipótese que se levantou neste estudo. Se atendermos, como já foi mencionado, que os níveis de conflito, tal como este é definido pela FES, são, em média, baixos (no 12º ano, a média é de 23.22, numa margem de variação que tem 54 como valor máximo) na amostra deste estudo, parece mais claro que contextos familiares que oferecem um nível moderado de organização e controle com momentos de algum conflito, produzido, eventualmente, pela confrontação de vários pontos de vista, possam facilitar experiências de exploração e investimentos, cujo principal protagonista seja o próprio sujeito (Young et al., 1994).
Relativamente, às diferenças verificadas nos diversos níveis socio-económico, partindo da análise da estrutura de coeficientes da segunda raiz do nível socio-económico médio, que explica 39% da variância total, (não se refere a primeira raiz, porque as dimensões relacionadas orientam-se no mesmo sentido dos resultados gerais), os resultados parecem indicar que estes sujeitos têm uma representação do impacto do contexto familiar no desenvolvimento vocacional com conotações diferenciadas em relação aos níveis socio-económicos altos e baixos.
Assim no nível socio-económico médio, por um lado, as dimensões doseadas e equilibradas de sucesso e de conflito são importantes para promoverem comportamentos de exploração vocacional e investimentos; por outro lado, as dimensões de coesão elevada (neste caso, aglutinação) e de actividades intelectuais, culturais e recreativas realizadas conjuntamente na família não promovem a exploração e o investimento, mas sim escolhas sem exploração. Nos sujeitos de níveis socio-económicos altos e baixos são as dimensões do sucesso, da organização e controle e da ênfase religiosa que estão relacionadas positivamente com a tendência para excluir opções e para a exploração vocacional e negativamente com o investimento.
Ora, o sentido das diferenças constatadas pode ser interpretado como uma tendência para um maior grau de autonomia dos sujeitos de nível socio-económico médio em relação aos seus contextos familiares no domínio das escolhas vocacionais. As diferenças tornam-se compreensíveis se considerar a abertura e dinamismo que caracterizam os níveis socio-económicos intermédios relativamente à mobilidade social ascendente. Nos níveis elevado e baixo, por razões de natureza bem diversa, predomina a convencionalidade ligada à reprodução do estilo de vida dominante ou à escassez de oportunidades para contrariar o determinismo da origem socio-económica.
O significado psicológico e social destas diferenças pode ser explicado pelo facto de o grupo de nível socio-económico médio, na cultura portuguesa, ser o de maior mobilidade social, assumindo um papel decisivo nas grandes transformações sociais e políticas. Por isso, surge como o grupo mais dinâmico, mais competitivo e com expectativas elevadas quanto ao seu protagonismo no mundo da cultura e profissional. Estas mensagens são transmitidas implícita ou explicitamente no contexto familiar e coexistem com os dispositivos necessários em termos de apoios afectivos e instrumentais para garantirem projectos de formação e de profissão que possam proporcionar o sucesso pessoal e familiar.
Quanto ao nível socio-económico alto tende a ser, normalmente, um grupo mais cristalizado e acomodado onde, em muitos casos, os apoios instrumentais se sobrepõem aos emocionais. Por isso, nos sujeitos deste grupo nível socio-económico alto, existe uma relação positiva entre as dimensões do contexto familiar, sucesso, organização e controle e ênfase religiosa e orientação para actividades culturais e recreativas com a tendência para excluir opções (fazer investimentos sem exploração) e a exploração vocacional, e negativa com o investimento. Estas famílias tendem a ser contextos favoráveis à emergência de sujeitos com estatutos de identidade outorgada, favoráveis ao cumprimento do projecto vocacional da família, ou então, sujeitos em difusão.
Relativamente ao nível socio-económico baixo, a relação positiva entre o sucesso, organização e controle e conflito com a tendência para a exclusão de opções (investimento sem exploração) e com a exploração, e negativa com o investimento pode explicar-se pelo facto de estes sujeitos terem expectativas reduzidas quanto ao seu projecto de vida (formação, profissão), porque as mensagens veiculadas na sua família de origem e nos seus contextos de vida mais próximos vão nesse sentido e porque os constrangimentos económicos e sociais os empurram inevitavelmente para a primeira oportunidade de trabalho que lhes garante a si e aos seus a sobrevivência, porque, em muitos casos, a exploração é um privilégio que resulta de pertencer a uma família com um determinado nível socio-económico (Gonçalves & Coimbra, 1995). No que se refere à dimensão da exploração, provavelmente, explica-se pelas variáveis mediadoras que poderão interferir nos resultados, porque os grupos socio-económicos em si não são homogéneos, portanto, no grupo socio-económico baixo pode haver sujeitos que, muito provavelmente, fazem investimentos sem exploração, por exemplo, aqueles que deixam precocemente a formação e entram no mundo do trabalho; e haverá sujeitos que continuam a exploração, provavelmente, aqueles que conseguiram libertar-se da lógica do determinismo do seu grupo social de pertença.
A investigação realizada confirma, na sua globalidade, que o contexto familiar influencia o processo de desenvolvimento vocacional dos adolescentes e jovens, sublinhando que há contextos de vida que proporcionam experiências de qualidade desenvolvimental, – em termos de oportunidades de exploração e investimento –, e outros que inviabilizam essas oportunidades. O desenvolvimento vocacional pode ser facilitado pelo ambiente familiar, quando fornece um contexto securizante, apoiante, desafiante, encorajador e promotor da autonomia ou obstaculizado, quando os contextos familiares são aglutinados, desmesuradamente competitivos, negligentes, rigidificados e pouco facilitadores da diferenciação e autonomia.
Como já foi sublinhado no decorrer deste trabalho, a produção de conhecimento sobre a realidade deve implicar a transformação da realidade percebida. A confirmação da relevância da influência do contexto familiar no desenvolvimento vocacional de adolescentes e jovens coloca o repto aos profissionais de psicologia que intervêm nesta dimensão do desenvolvimento psicológico, de elaborarem, implementarem e avaliarem projectos de consulta psicológica vocacional que não se circunscrevam apenas ao sistema individual, mas os alarguem aos contextos de vida decisivos e de maior acessibilidade, como a família, para proporcionar aos adolescentes e jovens um contexto securizante, facilitando-lhes oportunidades, experiências e apoios qualificados neste domínio do desenvolvimento psicológico e, simultaneamente, transformando a família num agente dinâmico com protagonismo no desenvolvimento vocacional.