As Crianças Selvagens

14-03-2010 19:29

(...) Na verdade, o comportamento, no Homem, não deve à hereditariedade específica uma parte tão importante como nos outros animais: o sistema de necessidades e de funções biológicas, legado pelo genótipo, na ocasião do nascimento, aparenta o Homem qualquer ser animado, sem o caracterizar nem o designar como membro da "espécie humana". Em compensação, esta ausência de determinações particulares é perfeitamente sinónima da presença de possibilidades indefinidas. A vida rígida, determinada e regulada por uma determinada natureza, substitui-se nesse caso pela existência aberta, criadora e ordenada de uma natureza adquirida. Deste modo, pela acção das circunstâncias culturais, poderá aparecer uma pluralidade de tipos e não um único tipo específico, diversificando a humanidade no espaço e no tempo. O que a análise das próprias semelhanças mostra de comum nos Homens é uma estrutura de possibilidades e até de probabilidades que não pode manifestar-se no contexto social, seja ele qual for. Antes do encontro dos outros e do grupo, o Homem possui apenas virtualidades diáfanas como transparentes nuvens de vapor. Qualquer condensação pressupõe um meio, isto é, o mundo dos outros.

MALSON,L., As Crianças Selvagens, Ed. Civilização, s/d, pp. 6,7